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Brasileiros recorrem ao ‘atacarejo’ para economizar na hora das compras

04 abr 2021

Redes que dão desconto maior para quem compra mais unidades já respondem por 40% das vendas do grande varejo. Com crise, papinha de bebê e sorvete deixam ‘carrinho’ 

RIO – A necessidade de reduzir os gastos com alimentos e as restrições de deslocamento impostas pela pandemia fizeram a assessora jurídica Bruna Silva, de 31 anos, passar a frequentar um mercado de atacado — o chamado atacarejo — na Tijuca, Zona Norte do Rio, para abastecer a despensa no último ano. A ideia era sair menos e comprar mais, explica ela, que avalia economizar perto de 20% ao mês:

— Os preços aumentaram muito, e esses mercados se tornaram uma opção. Compro produtos que consiga guardar por mais tempo. O preço é mais baixo. E mesmo itens que você compraria no varejo tradicional, às vezes estão mais em conta.

Assim como Bruna, seis em cada dez domicílios no país já usam o atacarejo na hora de ir às compras, segundo dados da consultoria Nielsen. As redes de atacarejo abocanharam em 2020 40% das vendas no grande comércio varejista do país, que inclui ainda super e hipermercados. O salto veio com as crises sucessivas desde a recessão iniciada em 2014, quando essa fatia era de 27,8%.

Hoje, o consumidor final disputa espaço cabeça a cabeça com os pequenos comerciantes, tradicionalmente a maior parte do público do atacarejo.

A crise trazida pela pandemia ajuda a acelerar a expansão das grandes redes do segmento, como o Atacadão, do Carrefour, e o Assaí, listado em Bolsa desde o início de março, após cisão com o Grupo Pão de Açúcar.

— A proposta do atacarejo casa com momentos de crise, redução de renda e alta da inflação. Nos últimos anos, o Brasil enfrenta crises sucessivas, com aumento do desemprego. As pessoas buscam o canal de vendas com preços menores — explica Eduardo Yamashita, diretor de Operações da consultoria Gouvêa Ecosystem.

Foco nos itens básicos
No acumulado do ano até 14 de março, as vendas no varejo físico — somando super e hipermercados, atacarejo e farmácias — subiram 14,5% sobre igual período de 2020. O avanço do atacarejo, sozinho, contudo, foi de 22,8%.

Para ter o custo reduzido, as redes operam com amplas lojas, de despesa menor em logística, aproveitando o espaço de venda também como estoque, com poucos serviços e menos funcionários.

— Por isso podem oferecer preços melhores, vendendo também maiores quantidades. Produtos como fraldas descartáveis, por exemplo, custam 15% menos que nas farmácias. Os outros canais de varejo têm de se destacar por serviços e comodidade. Não dá para brigar no preço — destaca Bruno Achkar, coordenador de atendimento ao varejo da Nielsen.

A busca por redução dos gastos teve efeito ainda na cesta de compras, destaca Achkar. O consumidor hoje privilegia os itens básicos e a praticidade. Em alimentos, tiveram crescimento nas vendas almôndegas (46,1%), arroz (34,8%), óleos e azeites (39,6%) e batata congelada (35,2%).

Deixaram os carrinhos cereal em barra (-19,1%), sorvete (-7,2%) e papinha para bebês (-17,2%). Entre as proteínas, o foco são as de menor preço, apesar de todas terem registrado aumento no consumo. Os cortes suínos, por exemplo, subiram 35,7%, enquanto os bovinos, que são mais caros, 16,4%.

A estudante carioca Virgínia Souza, de 24 anos, conta que, com a alta da inflação, ela e a família passaram a comprar em atacadistas, priorizando os produtos com melhores preços:

— Há a vantagem de ter descontos para compras maiores, o que é bom, já que os preços estão bem altos. Devemos continuar usando esses mercados mesmo com o fim da pandemia. Só quando você procura algo muito específico ou sofisticado, não encontra.

As grandes redes, no entanto, vêm fazendo ajustes para atender melhor o consumidor final.

— Hoje, o movimento é dividido igualmente entre comerciantes e consumidor final. Já ampliamos o mix de produtos. Também melhoramos iluminação, climatização, instalamos cafés nas lojas. Mas é preciso foco no modelo e assertividade — comenta Moacir Sbardelotto, diretor regional de Operações do Assaí.

Pé no acelerador
Com 184 lojas, a rede, que encerrou 2020 com lucro de R$ 1 bilhão, 25% mais que um ano antes, se prepara para abrir 78 lojas até o fim de 2023, quando chegará a todos os estados do país.

Pesquisamos muito a localização ideal para novas lojas, o que acelera a maturação da unidade e traz retorno mais rápido. A meta é o crescimento orgânico, a princípio sem aquisições. Mas isso não é engessado, diz Sbardelotto.

Para este ano, o Assaí prepara uma plataforma B2B, para vender diretamente a empresas, e um e-commerce com parceiros.

Yamashita, da Gouvêa Ecosystem, ressalta que grupos atacadistas bem-sucedidos vão pisar no acelerador:

As lojas do atacarejo pedem investimento menor para serem abertas na comparação com um hipermercado, mas têm faturamento duas vezes maior ou até mais. Essas redes maduras vão avançar. Consolidações também virão, mas só se o ativo a ser adquirido estiver saudável.

Aquisições têm sido um motor de expansão para o Carrefour, dono do Atacadão e líder em todo varejo no país.

Este ano, continuaremos com o plano de expansão, com a abertura prevista de 20 lojas, além da operação de e-commerce. Teremos ainda a conclusão da integração das 30 lojas do Makro adquiridas em 2020 diz Marco Oliveira, vice-presidente do Atacadão.

No mês passado, o Carrefour comprou o BIG (antigo Walmart) por R$ 7,5 bilhões, destacando que a operação, que ainda precisa ser aprovada pelo órgão regulador, vai ampliar a presença da empresa no Nordeste e no Sul. E já antecipou que vai converter as lojas Maxi em Atacadão. Em 2020, as vendas líquidas do Atacadão subiram 23,1% frente a 2019.

Fonte: O Globo